Posicionamento da Sociedade Brasileira de Hipertensão em Relação à Polêmica do uso de Inibidores do Sistema Renina Angiotensina no Tratamento de pacientes Hipertensos que Contraem Infecção pelo Coronavírus

22 de março de 2020 às 14:43

São Paulo, 21 de março de 2020

Em consonância com o posicionamento de diversas sociedades médicas internacionais, em relação à hipótese levantada acerca dos efeitos adversos do uso de medicamentos que bloqueiam o sistema renina-angiotensina (SRA), como os inibidores da enzima de conversão (iECA) e os bloqueadores do receptor da angiotensina (BRAs) que aumentariam o risco de infecção e a gravidade da doença pelo coronarvírus, a Sociedade Brasileira de Hipertensão não recomenda a suspensão desses agentes, devido à falta de evidências científicas para tal hipótese.

Desta forma, a Sociedade Brasileira de Hipertensão reforça a recomendação para a continuidade do tratamento com esses medicamentos, e se vale da expertise do Prof. Dr. Robson Santos, ex-presidente desta Sociedade e pesquisador reconhecido internacionalmente na área para acrescentar informações que se contrapõem à hipótese levantada na carta submetida ao periódico Lancet e publicada on-line em 11 de março de 2020 por Lei Fang e colaboradores.

Texto elaborado pelo grupo do Prof. Dr. Robson dos Santos

Giselle Santos Magalhaes1,2, Maria da Gloria Rodrigues-Machado2, Daisy Motta-Santos1, Maria Jose Campagnole Santos 1, Robson A Souza Santos1,3

1Departamento de Fisiologia e Biofísica, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Nanobiofarmacêutica (INCT-Nanobiofar);

2Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Programa de Pós-Gradução em Ciências da Saúde, Minas Gerais, Brasil

3 Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão (2005-2006)

  • Para entender melhor a relação entre a ECA2 e a COVID-19 é importante avançar em alguns conceitos sobre a complexa relação entre o sistema renina-angiotensina (SRA), as doenças pulmonares e o coronavírus.
  • Evidências experimentais e clínicas indicam que a ativação do SRA pulmonar está envolvida na fisiopatologia da inflamação pulmonar, principalmente em função de um aumento prolongado e inapropriado da atividade do eixo enzima conversora da angiotensina (ECA)/ angiotensina (Ang) II/receptor AT1  em detrimento do eixo ECA2/Ang-(1-7)/receptor Mas que é visto como uma via contrarregulatória,  que exibe efeitos antiinflamatórios e favoráveis à resolução nas doenças pulmonares.
  • Na vigência da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), o desequilíbrio na relação da ECA/ECA2 demonstrou aumento da atividade da ECA que por sua vez mostrou correlação com o grau de lesão pulmonar. Além disso  existem demonstrações de o RNAm da ECA2, proteína e atividade enzimática estão reguladas para baixo nas lesões pulmonares em estudos não clínicos e clínicos.
  • Diferente da hipótese apresentada recentemente, em função do SARS-CoV, observou-se menor expressão da ECA2, e assim, a infecção viral seria vetor de pneumonia grave, e insuficiência pulmonar aguda, algumas vezes com evolução para óbito.
  • Em diversos modelos de inflamação pulmonar a administração de Ang-(1-7) promoveu redução da síntese de mediadores pró-inflamatórios, da migração de células inflamatórias para os pulmões e melhora da função pulmonar. O tratamento com Ang-(1-7) melhorou a oxigenação arterial, diminuiu a resposta inflamatória e reduziu a deposição de colágeno, sugerindo que o efeito inibitório da Ang-(1-7) no recrutamento de células inflamatórias na fase aguda pode estar relacionado à redução da fibrose em uma fase posterior.
  • Assim, considerando a ampla discussão apresentada nesse momento crítico de pandemia, deve-se entender que o papel da ECA2 na mediação da entrada do SARs-COV-2 nas células pulmonares é um problema que deve ser visto à luz das evidências. Como o eixo SRA com função anti-inflamatória e pró-resolutiva está prejudicado pela ligação do SARs-COV-2 à ECA2, a estratégia de inibir a ECA2 precisa ser revista. A inibição da ECA2 irá reduzir de modo significante os níveis de Ang-(1-7) e/ou aumentar os níveis de Ang II, contribuindo para piora da inflamação pulmonar e evolução do quadro. 
  • Em outras palavras, o uso de inibidores do SRA, promovendo aumento da ECA2 deve ter um papel mais protetor para as células pulmonares, e assim, o uso dos medicamentos que bloqueiam esse sistema não deve ser abandonado; ao contrário, por todos os seus efeitos benéficos, inclusive no tecido pulmonar, tem indicação confirmada, mesmo no cenário desta pandemia, e ainda, após instalação da infecção, a ativação do receptor Mas ou a administração de Ang-(1-7) ou análogos podem representar medidas adicionais relevantes para o controle da resposta inflamatória mediada pelo SARS-CoV-2 no pulmão.

Referências

Fang L, Karakiulakis G, Roth M. Are patients with hypertension and diabetes mellitus at increased risk for COVID-19 infection? Lancet Respir Med 2020; https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30116-8

Statement by the ESC: https://www.escardio.org/Councils/Council-on-Hypertension-(CHT)/News/position-statement-of-the-esc-council-on-hypertension-on-ace-inhibitors-and-ang
Statement by the ESH: https://www.eshonline.org/spotlights/esh-statement-on-covid-19/

Statement by ISH: https://ish-world.com/news/a/A-statement-from-the-International-Society-of-Hypertension-on-COVID-19/

Statement by HFSA/ACC/AHA:  https://www.acc.org/latest-in-cardiology/articles/2020/03/17/08/59/hfsa-acc-aha-statement-addresses-concerns-re-using-raas-antagonists-in-covid-19